Textos extraídos da coluna Releitura, Jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda.
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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Quanto a símbolos ...

Pai Joaquim de Angola enquanto Preto Velho simboliza experiência e humildade. Não só pela forma que se apresenta incorporado, mas também pelos objetos que utiliza habitualmente em seu local de trabalho. 
Símbolos da união... Consegue lembrar algum ? Claro que sim.
O termo símbolo, com origem no grego σύμβολον (sýmbolon), designa um tipo de signo em que o significante(realidade concreta) representa algo abstrato (religiões, nações, quantidades de tempo etc.) por força de convenção, semelhança e/ou aproximação. Simbolizar é tão inerente ao ser humano que quando criança simbolizamos praticamente tudo. Brincando com o Matheus (filho do Pai Márcio e Ana Paula) durante a gira, o simbolizar era tão presente que quase gritei SARAVÁÁ PIAGETT. Porque faria isso ? simples. O pequeno Matheus esta com dois anos e oito meses, fato este que na Teoria do Desenvolvimento de Jean Piaget o enquadra no Estágio Pré-operacional. Também chamado de fase da inteligência simbólica, a criança já distingue um significador (imagem ou símbolo) daquilo que ele significa (o objeto ausente). Por exemplo: estavamos brincando de contar quantas folhas cada galho continha, o meu e o dele. Meu galho tinha menos folhas, porém de tamanho muito maior, enquanto o dele tinha muito mais folhas, porém bem pequenas. Para o Matheus, eu tinha mais folhas que ele, devido ao tamanho das minhas, mesmo tendo apenas 5 e ele 15. No final das contas, com um sorriso, queria levar todas para casa e fazer um carrinho, simbolizando-as de outra forma. SARAVÁ PIAGET.
Conseguiu lembrar alguns símbolos de união? Pai Joaquim falou de respeito às diferenças, oportunidades e principalmente união. Ao sentar para escrever, a única coisa que me veio à cabeça foi a marca de açucar e minha cidade natal, União da Vitória. Estaria eu passando por um estado de esturpor mental, derivado de uma gama muito alta de informações ? Sou daqueles que não vai afundo logo na primeira idéia e fiz questão de relacionar união à símbolo pelo simples fato de partir do abstrato para o concreto. Assim estamos acostumados, assim o faremos por toda eterniade.
O símbolo do Brasil já foi à floresta amazônica, hoje está muito mais relacionado a carnaval e futebol. Assim como o símbolo da páscoa já foi o coelho. Aqui jaz um coelho vencido pelo consumismo. Esta união de exemplos me faz pensar de que forma nossos símbolos vão se transformando e porque alguns permanecem tão fortes? Como a família que deixa o isolamento para trás para dar lugar ao conjunto. E que força tem uma família. Além de união é símbolo de força.
Não quero falar sobre a união que deveríamos ter. Quem sou eu para isso? Mas sim da união que já temos. Encontrei na Tribo uma família. E das fortes. Meu Pai de Santo em seu último comentário no blog <Releitura> relatou o que sentiu no espetáculo da Cia. Dança Masculina Jair Moraes, da qual faço parte. Se bem recordo era algo sobre estar assistindo-o ao lado de, além da sua família de sangue, sua família do terreiro e seus médiuns realizando aquele trabalho em palco. Disse a ele que era exatamente isso que sentia, pois apesar de integrar na Tribo de Aruanda a apenas dois meses, me sinto dentro de uma unida família que tão bem me acolheu.
Hoje, 17 de abril, é dia da voz. Faço questão através deste texto de concretizar meu sentimento, abstrato como tal, a todos os médiuns da casa. Ouçam minha voz ao lê-lo, pois se fosse para simbolizá-los, iria pelo mais simples. Quem sabe o sorriso do Matheus, o som dos atabaques ou mesmo o momento em que damos as mãos para cantar o hino da umbanda. Avante filhos de fé, unidos ao símbolo dos melhores sentimentos.
Minha faixa de vermelha foi para azul. Sem a intenção de gerar tanto impacto nesta alteração do meu Orixá regente, em um primeiro momento gostaria de ser lembrado ao invés de um guerreiro de Ogum, por um grande, bravo e feroz tubarão de Iemanjá. Já digerida a troca por parte do meu imaturo ego, toda vez que entro em meu quarto vejo um fofo golfinho de pelúcia sobre a cama. Sim, o Flipper. Um golfinho, não um bravo e feroz tubarão. Pasmem, meu simbolizar ridículo tentando reduzir uma vibração ao que um animal significa é exemplo do que fazemos o tempo todo. Então, ao simbolizar, seja união ou qualquer outra coisa, lembremos que estamos integrados e co-dependendo sempre um do outro.  Podemos carregar aquilo que nos cerca com qualquer significado. Para mim, união é Tribo.
Que tubarão feroz que nada, cada dia me identifico mais com o Flipper...        

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Harmonizando Atos

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Quando a Gira Girou ... 09/04
Gira de Exú é sempre uma surpresa. Não sei exatamente o motivo de tamanha adoração que esta mesma caiu no gosto dos umbandistas, só sei que comigo não é diferente. O respeito é percebido no ar, como quando passamos em frente a uma escolta policial. Entre caveiras e encruzilhadas, a gira do dia 09 de abril pode ser lembrada fortemente aos que lá estavam pela DISCIPLINA.
Precedendo o trabalho de Exus, o Caboclo Araymá, já ao descer demonstrou certa austeridade. Aquela de quem organiza. E por sua vez nos deu uma verdadeira lição de disciplina.  
Sempre me questionei que nível da vida deveria colocar em prática a disciplina: todos? E virar um estereótipo perfeito do verdadeiro obsessivo, se é que já não o sou. Ou apreciá-la com parcimônia, como a merecida cerveja de um domingo em família?
Sabemos que a voz do bom senso é o melhor remédio e também que não existe maior exemplo do que alguém de confiança para nos mostrar o caminho. Sim, confiança.
Martha Graham (dançarina americana, 1894/1991) dizia que “o corpo é moldado, disciplinado, respeitado, e com o tempo, passa a ser confiável”.  Disciplina e respeito como meio de atingir a confiança, tanto dos outros como de si mesmo. Ou você sempre confia em si mesmo? Tenho certeza que não, pois se Caetano Veloso cantava que: ‘cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é’, Clarisse Lispector sabiamente dizia que “Até cortar nossos próprios defeitos pode ser perigoso. Ninguém sabe o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...”.  Portanto depois de tantas citações sem sair do tom, digo que O Caboclo Araymá nos desperta para o bem que a disciplina faz em tempos de ‘tudo pode’. Graham, Caetano e Clarisse, para nossa busca diária ao autoconhecimento... a autodisciplina.
Voltando alguns quilômetros na história, observa-se que a disciplina estava diretamente ligada a violência física. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que nos socorra. Este sábado um exímio artesão fez minha guia de Iemanjá que impecavelmente trabalhada carregava nela uma medalha desta Santa.
O quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro surgiu na Ilha de Creta. Neste, de autor desconhecido, a Virgem Maria é representada a meio corpo segurando o Menino Jesus nos braços. Há a presença dos instrumentos da Paixão de Cristo levados por dois anjos ou arcanjos, com uma inscrição grega na parte superior das figuras.Retrata o movimento do Menino que vê os instrumentos da Paixão, assusta-se com eles e busca refúgio nos braços da Mãe. A mesma, que acolhe o Menino com ternura e compaixão, olha para frente como se estivesse contemplando os sofrimentos de seu divino Filho.
O que isso tem a ver com disciplina? De um lado o cuidado, do outro o medo. Tanto do que não conhecemos quanto do que conhecemos muito bem.
Na Idade Média, a guilhotina está no topo da lista dos melhores métodos para disciplinar aqueles que não seguiam a risca o que deveria ser feito. Usada contra os esquerdistas de plantão, era uma arma temida que serviu para substituir a forca. Por coincidência também matava pelo pescoço. Então se a moda era degolar, que se degole com luxo. Esse era o lema dessa máquina horripilante utilizada também no corte de cana, porém no seu manual de instruções, o aconselhamento era mesmo ao corte de cabeças.
Na gira de Exus nenhuma cabeça rolou, apenas uma tábua. Mas isso deixemos em ‘off’ e atentemos para a palavra norteadora de todo o texto e para aquilo que o Exu dos Rios não comunicou em palavras mas sim em gestos: a disciplina.
Se procurada no dicíonario, esta palavra em sua etiologia nos remete a “discípulo” que significa “aquele que segue”. E como bom seguidor daqueles que confio (sem obsessão), concluo este texto fazendo minhas, as palavras de Fernando Pessoa, que em sua obra “Ricardo Reis – Prosa” nos diz que:
“... a disciplina é um princípio regrador da vida e da obra, que a inteligência aceita como verdadeira e a sensibilidade aceita por boa. Sem a ação, sobre tanto sensibilidade como inteligência, não há disciplina: se a inteligência aceita e a sensibilidade não, há um mero diletantismo; se o inverso, há um conflito esterilizante, anarquisador.”
 De forma inteligente e sensível O Caboclo Araymá, juntamente com outras entidades que trabalharam na Tribo no último dia 09, deixaram a todos, verdadeiros exemplos de disciplina. Não afim de matar a personalidade, mas sim harmonizar os atos. Se por ventura um pouco de disciplina te assuste, clame por Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Qualquer identificação com uma criança sendo carregada no colo é mera concidencia.  
Disciplina é confiança ! Eu confio ...

·         Agradecimento especial ao exímio artesão Milton Jones.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

QUANDO A GIRA GIROU - 02/04


Fato isolado 1: Semana passada, de segunda a sexta, das 7 da manhã à meia noite, me perguntava se estava preparado pra isso. Depois de muito pensar, cheguei a temida conclusão, não estava... não estou.

Algumas situações em nossas vidas exigem uma preparação específica, outras simplesmente temos que lidar com nossa experiência. O que é mais importante, experiencia ou preparação?
Saber usar essas duas ferramentas define a qualidade de cada coisa que você faz.
Hoje (domingo,3/04), lendo a Gazeta do Povo, me deparo com esta pergunta. Dentro do caderno comercial, Flavio Rezende, Diretor do Departamento de Pesquisa do Conselho Regional – CORECON, destacou que:
“Em nossa carreira é necessário um perpétuo desenvolvimento, porque as mudanças do cenário econômico precisam ser acompanhadas de perto”
Fácil perceber que não é apenas na carreira profissional que este perpétuo desenvolvimento citado por Flavio Rezende é de fato necessário, e que as mudanças em nosso cenário pessoal precisam sim serem acompanhadas de perto.
Na gira de Pretos Velhos deste sábado (02/04), Pai Joaquim de Angola falou sobre a preparação. Depois de ouvirmos um ponto específico a seu pedido: “umbanda tem fundamento, é preciso preparar...”, o silencio tomou conta do ambiente. Talvez por encabulamento, afinal, quem ali tinha se preparado como gostaria? Mas acredito que foi aquele silencio de desejo. Desejo de ouvir quem está preparado e maduro para falar.

   Fato isolado 2: Por volta das 17:30 da tarde de sábado, logo no início da gira Pai Márcio traduziu o significado do ponto que se refere a Ogum: Ogum é Tata que Malemê, ou, Ogum é o Pai que tudo perdoa.

Preparação está para tentativa tanto quanto o erro esta para a experiência. Se Ogum é pai que tudo perdoa, quem sou eu para não me perdoar. Pai Joaquim continuou calmamente sua menssagem dizendo que a preparação não começa antes da gira nem tampouco termina quando ela acaba. Sua menssagem foi aquela de quem cuida.
Banhos, ervas, velas ... conjunto de ações dentro do mesmo rito. Mais do que uma forma de potencializar sua ligação com o sagrado, um bem necessário de quem cuida. A preocupação de um pai raramente é mal fundamentada. Se existe o cuidado existe a preocupação, se existe a preocupação pode-se existir o perigo. “As mudanças do cenário ... precisam ser acompanhadas de perto.” Lembra o que disse Rezende a alguns parágrafos a cima? De um lado, ou melhor, de um plano, temos a espiritualidade nos acompanhando de perto, do outro deveriamos visar um auto-acompanhamento pois o cenário muda constantemente, e como muda. Se é Tatá que Malemê, sejamos filhos cuidadosos!  

Fato isolado 3: Por volta das 22:15, Pai Márcio diz que a Umbanda não é brasileira.
Que o Brasil foi colonizado por muitos ladrões, escravos e ‘mulheres da vida’ trazidos pelos Europeus, você já está cansado de saber. Depois do que o Pai Márcio falou sobre a umbanda não ser brasileira e sim uma mistura de crenças (africanas, européias, orientais...) que formaram o que ela é hoje, fiquei me questionando, o que é puro e isento de misturas étnicas hoje em dia?
“As mudanças no cenârio precisam ser acompanhadas de perto...”
No início dos tempos o homem ligava-se à natureza através das pequenas coisas que considerava sagrada. Com o tempo a noção de religião como sitema de crenças começou a desenvolver-se, junto com ela o conceito das populações humanas que professam essas doutrinas. Cristianismo, Islamismo e varios outros ‘ismos’ foram fragmentando-se e dando voz aqueles que queriam falar em nome de Deus. O movimento tarda mas não falha e as mudanças no cenário são como as marés. O cristianismo depois de Lutero dividiu-se em Reforma Protestante, pelo inconformismo religioso apartir do que se via. Para você ter uma idéia, esta ação de Lutero se tornou tão significativa que foi o embrião das igrejas evangélicas que hoje você ouve em altíssimo e bom som ao passar por 12 de cada 10 ruas das cidades brasileiras.
O que quero ressaltar é que a história das religiões se transforma na maneira em que o contexto social assim exige. Se antes os escravos não podiam cultuar seus Orixás, com a democracia temos a laicidade. Se em sistemas religiosos ‘X’, as pessoas eram obrigadas a abaixar a cabeça para aquele que era representante de Deus na Terra, outras ‘Y’ nos dão a liberdade de questionar cada fato que a copõem. Hoje existe um Papa a favor do uso da camisinha, nao é cômico ? A biblia se atualizou através de algum software na internet? ela só vale por 2000 anos, depois precisamos registrá-la e providenciar um belo Upgrade ? ou o que mudou mesmo foi a forma que a entendemos baseado no movimento social e econômico ?
A umbanda pode não ser brasileira, mas que tem a cara do Brasil, isso tem. E salve os novos tempos em que os filhos são criados pelos pais de forma terceirizada. Onde posso pedir pizza as 3 da manhã e recebê-la quentinha em casa. Onde temos centenas de home pages e blogs umbandistas  e mesmo assim conseguimos manter uma umbanda simples dentro do terreiro, conservando sua essência conforme acreditamos.

Fato isolado 4: Na volta do terreiro, ao pagar o cobrador do ônibus, entreguei-lhe uma nota de 10 reais. O troco veio a mais. Ao devolver o dinheiro exedente, ele cocluiu: passo o dia todo vendo as mesmas notas! Rimos.

Eu estou preparado ? estou me preparando ? Acompanho as mudanças do meu cenário pessoal ? e por fim: meu olhar esta vendo apenas aquilo que esta acostumado a ver ?
De que forma você vê sua preparação antes de ir ao terreiro ? Faz seu banho com pressa, jogando a vela branca sobre um pratinho e acendendo-a com tanta velocidade que orgulharia qualquer piloto de formula I ? Dias atrás tapei a boca de uma aluna com fita crepe. Garanto que Piaget e Freire se decepcionaram com meu ato. Claro que o tom de brincadeira deu espaço a muitas risadas em sala de aula, principalmente por parte da ‘amordassada’. O fato é que vivemos em uma sociedade onde o resultado final vale mais que o processo: ou eu mostro trabalho ou não estou trabalhando. Mostrar trabalho dentro do terreiro vai muito além de incorporar e dar passes; consultas e resolver problemas, porque lidamos com fatos e indivíduos e isto está acima de nossas vontades. O ato de acender uma vela e fazer um banho de descarrego não é um fim e sim um meio. Atentemos então para o meio, a forma que estamos fazendo cada coisa e o porquê destas.  Não pense que enquanto tivermos toda uma equipe espiritual nos ‘cuidando’, podemos deixar de fazê-lo.
Não tenha dúvida, os fatos isolados do meu fim de semana se complementam por si só pois de isolados não tem nada. O que acha de pegar a agulha da sua lógica e costurar todos os fatos isolados do seu dia, mês, ano? Isto é preparação e cuidado com você mesmo. Cuidar de si gera preparação e maturidade. Isto é processo. O resultado final será consequência.
Desculpem a ausência no almoço de domingo no Largo da Ordem. Largo da ordem mas não largo do meu domingo em reflexão. Axé e até o próximo ‘Quando a Gira Girou’.