Textos extraídos da coluna Releitura, Jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda.
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segunda-feira, 13 de junho de 2011

TRIBO FASHION WEEK

Semana em apuros, pedra no rim. Será? Tive uma crise de dor no caminho para meu trabalho. O café que segurava caiu no chão e eu caí junto com ele. Sentado no meio fio hipotetizei: vou para o trabalho ou para o hospital? Trabalho. No trabalho mais dor e sigo para o hospital. Buscopan na veia, a dor passa. Ecografia feita, nada acusado. Ou pedra no rim ou alguma infecção hipotetizou o médico.   Fiz tomografia e exame de urina a pedido do doutor.
Tomografia:
Colocado em uma máquina que não caberia no meu quarto, a médica que realizou o processo disse: Farei o contraste. Injeto um liquido na sua veia, vai sentir calor e uma sensação que o levará a creditar que está urinando. É normal. Bobagem, pensei.
- Doutora, estou me mijando nas calças.
- Calma, é só uma sensação.
- Não é, estou mesmo me mijando.
- É só uma sensação (risos), e se tiver qual o problema?
- Não é você que vai dar aula mijada. Daqui saio direto para o trabalho.
Era apenas uma sensação.

Exame de urina:
Recomendação do pote coletor:
“Colher a primeira urina do dia, desprezando o primeiro jato e recolhendo a porção intermediária no frasco. Desprezar o restante.”

Acostumado a seguir tudo a risca, corro para o banheiro. Preparo meu melhor olhar de desprezo, viro o rosto cruelmente e pronto, primeiro jato desprezado, fazendo inveja aos melhores atores de Hollywood. Coletado o necessário, puxo a descarga. Mais desprezo nesta hora. E o Oscar vai para: Marinho!

Às vezes desprezamos também os sinais do corpo que nos dá pequenos e grandes avisos através de sensações. Criamos hipóteses para fugir ou ignorar aquilo que nos incomoda. Deve ser uma dor muscular, trabalho com o corpo, é normal. Acho que não deu certo porque não tentei o bastante. Isso não aconteceu por que não era o momento. Sim e não.
O corpo fala por nós, nós falamos por ele.  O meu não estava em equilíbrio.
                O algoritmo é uma formula lógica usada para resolver um problema de maneira automática a partir de uma seqüência de passos. Mesmo sem saber, diariamente você faz uso deste sistema criado no século III a.C que fez do Google um sucesso e tem diferentes aplicações. Assim diz Osny Tavares em sua coluna na Gazeta do Povo deste domingo. O algoritmo é definido como uma seqüência de passos finitos e não ambíguos que levam a resposta de uma determinada questão. Hipotetizar, o fazer ou não fazer, eliminando e acrescentando escolhas dentro da viabilidade dos fatos.
Bia para Ney em conversa:
- Pai, diga uma palavra!
- Amor!

                Escolho hoje falar de corpo e amor, ambos em equilíbrio. Escolho falar de hipóteses e também sinais.  Salve São Valentim! Neste tão esperado dia 12 de junho, principalmente pelos comerciantes de plantão, os corações batem no mesmo compasso. Coisa linda! O amor! Este tal de Valentim pintou o mundo de cor de rosa com tons de fofura na Idade Média. Quando o Bispo Claudio II ordenou a proibição do casamento, alegando que o mesmo seria prejudicial ao homem em combate, Valentim, o pombinho do amor, relutou contra a decisão e continuou seu trabalho de unir casais apaixonados. Seu fim? A cova, claro. Hoje este dia é associado à troca mútua de objetos simbólicos que representem o amor, como cartões, flores, jóias, carros e imóveis no litoral.
                Quem não é visto não é lembrado. Literalmente, pois no terreiro, tirando uma parcela mínima de médiuns videntes, o resto meu amigo, guia-se pelas sensações. Sabe aquelas do corpo que já falei? E neste último sábado o dia foi somente delas. As Pombas Giras invadiram a Tribo dando um charme maior ao dia dos namorados. Renovaram relações entre entidade/cavalo que já estava pra lá de esquecida. Os mais machões se renderam a incorporação das moças e o piso do terreiro virou passarela: Tribo Fashion Week. Não ficou um marmanjo em pé. Confesso ter sentido a incorporação mais intensa da minha vida. Eram Damas, Rainhas, Marias e Rosas, todas caminhando em passos leves e desenvoltura de deixar Gisele Bündchen no chinelo.  Li uma vez que as modelos treinam sua passada com livros na cabeça para desenvolver o equilíbrio, acredito que não devam usar mais essa técnica da época de São Valentim, mas o equilíbrio precisa estar afinado quando o assunto é caminhar na passarela. Quando o assunto é caminhar na vida, essa palavra norteia todas as passadas, ou, quando menos esperamos, chão.
                Li uma frase sabe Deus onde, sabe Deus quando, que o equilíbrio era o intermédio das situações como acender uma vela, se tiver muito vento, ela apaga. se não tiver ar, ela não acende. E por falar em vento, somente Seo Arayma para ter a idéia de chamar Ogum de Ronda e Iansã ao mesmo tempo, a coisa devia estar feia, vamos equilibra - lá. Se vendaval é o vento com pressa, equilíbrio é nem só aqui, nem só ali. Hipotetizei modos e meios de equilibrar o texto. Todas as hipóteses pendiam para  o desequilíbrio que gera em meu corpo sensações e avisos relacionados a sentimentos como este do dia 12 de junho. Nossa, melhor ler novamente esta frase!
 O sentimento do dia 12 de junho é o amor, seja pelo outro, pelo nosso trabalho ou por qualquer coisa que seja. Não vamos nos prender somente ao amor romântico. A dor gerada em meu corpo e traduzida através de uma pedra no rim foi conseqüência do meu desequilíbrio emocional frente a situações vivenciadas por mim. Nem a teoria dos algoritmos me livrou dessas, pois o número de hipóteses eram sempre finitas e falhas. Pedrinha miudinha de Aruanda êêêê. Se antes doía, não doi mais. Será que recuperei meu equilíbrio?
Equilíbrio estático, gráfico, hidrostático, espacial, postural e químico. São todas formas que o homem teorizou para concretizar aquilo que precisa ficar ‘entre’. Nem só aqui nem só ali. Equilíbrio é um principio universal. Princípio porque é uma lei, uma diretriz que regula comportamentos e decisões. É universal porque se aplica a tudo.  O princípio do equilíbrio afirma que, onde quer que várias partes formem um todo (um sistema), devemos prestar atenção e nos dedicar a cada uma delas, sob pena de que tanto as partes não atendidas quanto o todo sofram ou tenham problemas por isso.
As Pombas Giras equilibraram a predominância dos Exus em terra. Seo Caveira disse-me que este terreiro precisava de mais Pombas Giras Incorporadas para equilibrar a energia. Mais ou menos 20 minutos depois deste relato do Caveira, elas invadem a passarela a pedido do Tranca Ruas.
Espero que em breve as Giseles Bündchens do astral retornem, dando o ar da graça na passarela da Tribo. E para os machões de plantão, cuidado para não desequilibrar e cair do salto.  
No dia dos namorados, pedi a elas estar em equilíbrio comigo mesmo. Pedi para entender melhor as sensações e sinais do meu corpo. Que mesmo que todas as hipóteses da teoria do algoritmo sejam descartadas, eu continue fazendo um milhão delas. Pedi que eu não desprezasse aquilo que não compreendo e comece a pintar o mundo com rosa e tons de fofura, como fez Valentino, o pombinho do amor. Somente preto não faz bem.
Ufa, ao final da tomografia eu esta sequinho sequinho, era só uma sensação!

terça-feira, 7 de junho de 2011

UM LOBO CUIDANDO DE MIM

            Quando tinha meus 6 ou 7 anos, acordava praticamente toda madrugada. Nesta idade, dormindo sozinho, em meu quarto tinha uma janela enorme bem em frente a um muro alto. Ao olhar acima do muro via a lua cheia, quando esta estava lá. Não sou aquele médium cheio de estórias pra contar, que conversou com alguns espíritos, que viu outros, não passa um dia sem sonhar com tal coisa... Para falar a verdade essas pessoas que tudo vêem e tudo podem às vezes me cansam um pouco. Quem me conhece sabe, quando criança morria de medo de lobisomem, até hoje tenho. Filme desta fera selvagem? Só se for acompanhado e de dia.
            Ao acordar em algumas madrugadas levantava da cama e, corria pra janela ver a lua. Claro que o medo vinha no mesmo instante e me sentia vigiado. Olhava a lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. A lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. A lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. Não necessariamente nesta ordem. Sentindo-me vigiado não pensava duas vezes, corria para o quarto dos meus pais e ‘zuptt’, pulava no meio dos dois. O corredor que unia os cômodos parecia inacabável e somente ao entrar no quarto e visualizar a zona de segurança, ‘cama dos meus pais’, é que conseguia olhar para trás ao final do corredor. ‘Ahaaaa, agora você não vem né?’ Zuptt. Sentia-me vigiado por um grande lobo.
            Canis-dirus, lobo da época do Pleistoceno na pré-história tinha cerca de 2 metros de comprimento e é o embrião que originou os lobos e mais tardar os cães. Talvez daí a literatura sempre impregne ao lobo um mal a ser combatido. Lembra a história da Chapeuzinho Vermelho? Pobre canis... Na bíblia, encontramos diversas passagens que referem- se aos lobos sempre em linguagem metafórica designando crueldade.
“Benjamim, lobo voraz, de manhã devora a presa e à tarde reparte o despojo.” (Gênesis 49,27)
“Os chacais uivarão nos seus palácios, e os lobos, nas suas casas de prazer. Sua hora está próxima e seus dias estão contados.” (Isaías 13,22)
            Há muito tempo não sentia a presença deste lobo como senti essa semana. Sonhava constantemente com vários me perseguindo e, este era o único sonho que me acompanhava com freqüência. Eu, medroso que só, corria deles pela neve. Nunca me alcançavam. Será que queriam mesmo me pegar?
            Senti o efeito Oxum neste último final de semana em União da Vitória. Fiz uma oferenda a este Orixá às margens do Rio Iguaçu e o choro não demorou a chegar. Chorei como não chorava há tempos e, por mais simples que fosse a oferenda, continha nela todo peso que estava comigo nas costas, o rio levou. Minha mãe como uma loba observava de longe. Já minha irmã que esperava no carro apenas riu da minha cara ao me ver de óculos escuro limpando as lágrimas. Rimos juntos.
            Um convite do inconsciente me levou ao cemitério, como em todas as vezes que vou a minha cidade natal. Nesta não foi diferente. Pensei alto: ‘Aqui estou novamente, túmulos e mais túmulos e este silencio que me aquieta também. ’, ‘que bom né Marinho?’, ‘É um cemitério, você queria o que?’ Veio a resposta em minha mente como, eu sendo irônico comigo mesmo.  Acendendo uma vela na Cruz das Almas, o único ruído que ouvi foi de dois cães rosnando em uma divertida brincadeira. Viram-me, pararam, me encararam e, indiferentes a minha presença, continuaram a diversão. O que o rio não conseguiu levar, aquela energia levou. O túmulo dos entes queridos da minha família virou um confortável divã. A análise foi feita ali mesmo. Não era Freud mais sim, meu lado irônico, emocional, racional, pessimista, otimista entre outros, em um congresso de dar inveja a mais agitada bolsa de valores. Todos falando ao mesmo tempo, ninguém ouvindo ninguém. Chega! Vamos colocar ordem na casa. Mais choro.
            Lendo alguns artigos sobre nosso amigo Canis Lupus, encontrei alguns mandamentos que norteiam a espécie:
- Respeite os mais velhos.
- Ensine os jovens.
- Coopere com o grupo.
- Divirta-se quando puder.
- Cace quando precisar.
- Descanse nos intervalos.
- Reparta suas afeições.
- Manifeste seus sentimentos.
- Deixe sua marca.
           
               É de uivar não é mesmo? Não há som mais misterioso, triste, aterrorizador e bonito do que 
a estranha sinfonia de lobos uivando à noite. Pessoas que já ouviram esse coro se sentiram maravilhados, mas também imobilizados pelo pavor. Li que na realidade, não há mais que cinco a oito lobos uivando juntos. O interessante é que esse respeito pela individualidade somente enfatiza a verdadeira unidade do grupo. Cada lobo tem sua própria voz e cada um respeita a voz de seu companheiro. Quando os lobos uivam juntos, todas as barreiras são rompidas, como se dissessem: "Somos únicos, mas somos um todo; então não se meta conosco".
               
               Segundo o livro “A Sabedoria dos Lobos” de Twyman L. Towery:  
“A atitude dos lobos pode ser resumida com facilidade. É uma visualização constante do sucesso. A sabedoria coletiva dos lobos tem sido progressivamente programada em sua estrutura genética através dos séculos. Lobos tem uma técnica aprimorada de focalizar suas energias em direção às atividades que os conduzirão à consecução de seus objetivos.Os lobos não vagueiam sem destino ao redor de suas vitimas potenciais, para lá e para cá. Eles tem um plano estratégico e o executam mediante comunicação. Quando chega o momento da verdade, cada um entende seu papel e exatamente o que o grupo espera dele ... Uma caçada mal sucedida somente aperfeiçoa as habilidades e reaviva o desejo. Os erros cometidos não são vistos como falhas, e tornam-se parte da base de conhecimento coletivo dos lobos. É como introduzir dados na memória de um computador- o conhecimento sempre estará lá para o futuro. Aquilo que os homens decidem considerar fracasso, os lobos convertem em sabedoria.”
               Muitas pessoas vêem uma simples caçada frustrada como símbolo de seu fracasso na vida. 
O lobo esta aqui comigo agora. Não tenho mais medo dele, é meu amigo. Loucura da minha cabeça? Não mesmo. No ultimo congresso que fiz aqui dentro, ficou decretado: ‘Meu lobo cuida de mim.
Vai rosnar quando necessário e lamber meu rosto também. É vigia, atento a meu riso e meu choro’. Como filho de Iemanjá, a lua muda meu temperamento conforme sua transição de fases e, isso me faz uivar junto com meu amigo.
Você está melhor professor? Foi a pergunta conjunta das minhas lobinhas ao entrar em sala de aula. Olharam-me e, antes de correrem para barra de Balé uma falou em alto e bom tom, ríspido, diga-se de passagem, pra todas as outras: “Hoje sem brincadeiras, ou a pedra que o professor está no rim vai mexer e ele vai ter uma crise aqui na nossa frente”. Ali estava minha pequena alcatéia, lobinhas de 6 anos, atentas ao meu comando.
Como pude dizer no texto anterior que não converso com ninguém. Peço perdão a você que esta lendo. Escrevendo este texto, me dei conta que converso com todo mundo e todos, pode acreditar. Você leitor, conhece-me melhor do que eu a você. O kiwi perdeu sua função. Algumas coisas vão perdendo o sentido com o passar do tempo, outras que acreditamos serem mais consistentes permanecem, o tempo necessário para aprendermos as lições intrínsecas da vida. Como diz Neruda, “É proibido chorar sem aprender...”
O lobo está deitado ao meu lado agora, já me confortou e pode simplesmente estar. Até quando? Não tenho idéia. Quando for necessário ele vai ser o primeiro a me dar uma bela rosnada. Opaaa , já entendi, calma ... amigo, amigo ...
Não se trata de eu querer domá-lo, ele sim é que esta me domando. Os selvagens aqui somos nós. A vela que a pouco acendi para o meu pai de cabeça apagou. O texto acabou e não sinto mais a presença do lobo.  Desculpa se fugi de você quando criança. Agora estamos juntos. Um cuidando do outro.