Quando tinha meus 6 ou 7 anos, acordava praticamente toda madrugada. Nesta idade, dormindo sozinho, em meu quarto tinha uma janela enorme bem em frente a um muro alto. Ao olhar acima do muro via a lua cheia, quando esta estava lá. Não sou aquele médium cheio de estórias pra contar, que conversou com alguns espíritos, que viu outros, não passa um dia sem sonhar com tal coisa... Para falar a verdade essas pessoas que tudo vêem e tudo podem às vezes me cansam um pouco. Quem me conhece sabe, quando criança morria de medo de lobisomem, até hoje tenho. Filme desta fera selvagem? Só se for acompanhado e de dia.
Ao acordar em algumas madrugadas levantava da cama e, corria pra janela ver a lua. Claro que o medo vinha no mesmo instante e me sentia vigiado. Olhava a lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. A lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. A lua, a árvore balançando e a porta do meu quarto. Não necessariamente nesta ordem. Sentindo-me vigiado não pensava duas vezes, corria para o quarto dos meus pais e ‘zuptt’, pulava no meio dos dois. O corredor que unia os cômodos parecia inacabável e somente ao entrar no quarto e visualizar a zona de segurança, ‘cama dos meus pais’, é que conseguia olhar para trás ao final do corredor. ‘Ahaaaa, agora você não vem né?’ Zuptt. Sentia-me vigiado por um grande lobo.
Canis-dirus, lobo da época do Pleistoceno na pré-história tinha cerca de 2 metros de comprimento e é o embrião que originou os lobos e mais tardar os cães. Talvez daí a literatura sempre impregne ao lobo um mal a ser combatido. Lembra a história da Chapeuzinho Vermelho? Pobre canis... Na bíblia, encontramos diversas passagens que referem- se aos lobos sempre em linguagem metafórica designando crueldade.
“Benjamim, lobo voraz, de manhã devora a presa e à tarde reparte o despojo.” (Gênesis 49,27)
“Os chacais uivarão nos seus palácios, e os lobos, nas suas casas de prazer. Sua hora está próxima e seus dias estão contados.” (Isaías 13,22)
Há muito tempo não sentia a presença deste lobo como senti essa semana. Sonhava constantemente com vários me perseguindo e, este era o único sonho que me acompanhava com freqüência. Eu, medroso que só, corria deles pela neve. Nunca me alcançavam. Será que queriam mesmo me pegar?
Senti o efeito Oxum neste último final de semana em União da Vitória. Fiz uma oferenda a este Orixá às margens do Rio Iguaçu e o choro não demorou a chegar. Chorei como não chorava há tempos e, por mais simples que fosse a oferenda, continha nela todo peso que estava comigo nas costas, o rio levou. Minha mãe como uma loba observava de longe. Já minha irmã que esperava no carro apenas riu da minha cara ao me ver de óculos escuro limpando as lágrimas. Rimos juntos.
Um convite do inconsciente me levou ao cemitério, como em todas as vezes que vou a minha cidade natal. Nesta não foi diferente. Pensei alto: ‘Aqui estou novamente, túmulos e mais túmulos e este silencio que me aquieta também. ’, ‘que bom né Marinho?’, ‘É um cemitério, você queria o que?’ Veio a resposta em minha mente como, eu sendo irônico comigo mesmo. Acendendo uma vela na Cruz das Almas, o único ruído que ouvi foi de dois cães rosnando em uma divertida brincadeira. Viram-me, pararam, me encararam e, indiferentes a minha presença, continuaram a diversão. O que o rio não conseguiu levar, aquela energia levou. O túmulo dos entes queridos da minha família virou um confortável divã. A análise foi feita ali mesmo. Não era Freud mais sim, meu lado irônico, emocional, racional, pessimista, otimista entre outros, em um congresso de dar inveja a mais agitada bolsa de valores. Todos falando ao mesmo tempo, ninguém ouvindo ninguém. Chega! Vamos colocar ordem na casa. Mais choro.
Lendo alguns artigos sobre nosso amigo Canis Lupus, encontrei alguns mandamentos que norteiam a espécie:
- Respeite os mais velhos.
- Ensine os jovens.
- Coopere com o grupo.
- Divirta-se quando puder.
- Cace quando precisar.
- Descanse nos intervalos.
- Reparta suas afeições.
- Manifeste seus sentimentos.
- Deixe sua marca.
É de uivar não é mesmo? Não há som mais misterioso, triste, aterrorizador e bonito do que
a estranha sinfonia de lobos uivando à noite. Pessoas que já ouviram esse coro se sentiram maravilhados, mas também imobilizados pelo pavor. Li que na realidade, não há mais que cinco a oito lobos uivando juntos. O interessante é que esse respeito pela individualidade somente enfatiza a verdadeira unidade do grupo. Cada lobo tem sua própria voz e cada um respeita a voz de seu companheiro. Quando os lobos uivam juntos, todas as barreiras são rompidas, como se dissessem: "Somos únicos, mas somos um todo; então não se meta conosco".
Segundo o livro “A Sabedoria dos Lobos” de Twyman L. Towery:
“A atitude dos lobos pode ser resumida com facilidade. É uma visualização constante do sucesso. A sabedoria coletiva dos lobos tem sido progressivamente programada em sua estrutura genética através dos séculos. Lobos tem uma técnica aprimorada de focalizar suas energias em direção às atividades que os conduzirão à consecução de seus objetivos.Os lobos não vagueiam sem destino ao redor de suas vitimas potenciais, para lá e para cá. Eles tem um plano estratégico e o executam mediante comunicação. Quando chega o momento da verdade, cada um entende seu papel e exatamente o que o grupo espera dele ... Uma caçada mal sucedida somente aperfeiçoa as habilidades e reaviva o desejo. Os erros cometidos não são vistos como falhas, e tornam-se parte da base de conhecimento coletivo dos lobos. É como introduzir dados na memória de um computador- o conhecimento sempre estará lá para o futuro. Aquilo que os homens decidem considerar fracasso, os lobos convertem em sabedoria.”
Muitas pessoas vêem uma simples caçada frustrada como símbolo de seu fracasso na vida.
O lobo esta aqui comigo agora. Não tenho mais medo dele, é meu amigo. Loucura da minha cabeça? Não mesmo. No ultimo congresso que fiz aqui dentro, ficou decretado: ‘Meu lobo cuida de mim.
Vai rosnar quando necessário e lamber meu rosto também. É vigia, atento a meu riso e meu choro’. Como filho de Iemanjá, a lua muda meu temperamento conforme sua transição de fases e, isso me faz uivar junto com meu amigo.
Vai rosnar quando necessário e lamber meu rosto também. É vigia, atento a meu riso e meu choro’. Como filho de Iemanjá, a lua muda meu temperamento conforme sua transição de fases e, isso me faz uivar junto com meu amigo.
Você está melhor professor? Foi a pergunta conjunta das minhas lobinhas ao entrar em sala de aula. Olharam-me e, antes de correrem para barra de Balé uma falou em alto e bom tom, ríspido, diga-se de passagem, pra todas as outras: “Hoje sem brincadeiras, ou a pedra que o professor está no rim vai mexer e ele vai ter uma crise aqui na nossa frente”. Ali estava minha pequena alcatéia, lobinhas de 6 anos, atentas ao meu comando.
Como pude dizer no texto anterior que não converso com ninguém. Peço perdão a você que esta lendo. Escrevendo este texto, me dei conta que converso com todo mundo e todos, pode acreditar. Você leitor, conhece-me melhor do que eu a você. O kiwi perdeu sua função. Algumas coisas vão perdendo o sentido com o passar do tempo, outras que acreditamos serem mais consistentes permanecem, o tempo necessário para aprendermos as lições intrínsecas da vida. Como diz Neruda, “É proibido chorar sem aprender...”
O lobo está deitado ao meu lado agora, já me confortou e pode simplesmente estar. Até quando? Não tenho idéia. Quando for necessário ele vai ser o primeiro a me dar uma bela rosnada. Opaaa , já entendi, calma ... amigo, amigo ...
Não se trata de eu querer domá-lo, ele sim é que esta me domando. Os selvagens aqui somos nós. A vela que a pouco acendi para o meu pai de cabeça apagou. O texto acabou e não sinto mais a presença do lobo. Desculpa se fugi de você quando criança. Agora estamos juntos. Um cuidando do outro.
Sábado eu tive uma conversa com um amigo sobre o fato de eu saber que sou sozinha no mundo, o que não me impede em nenhum momento de querer fazer parte de um todo, independente do tempo que esse todo tiver que durar ou das lições que essa experiência me traga. Hoje eu leio sua criação. Se o texto existisse antes da conversa, eu o usaria de exemplo. Chorei ao ler o texto por traduzir de uma forma tão clara o que sempre tive dificuldade em expressar sobre mim mesma.
ResponderExcluirPERFEITO! Simplesmente, PERFEITO!
Obrigada por isso!!
Renata
Parabéns pelo texto, que saibamos ter a nossa individualidade na hora certa, sem deixar que o egoísmo se sobreponha... e a saber trabalhar em grupo qdo necessário, temos muito à aprender não só com os lobos, mas com todos os animais!
ResponderExcluirMarinho, este texto vai cair como uma luva pra muitas pessoas. Caiu pra mim, que também na infância tive meus “lobos”, muito embora eles tivessem outra roupagem. Vamos seguindo em frente com nossos medos até que os transformemos em guardiões de nós mesmos. Só assim aprendemos. Mas até domarmos nossos lobos ou, ao contrário, eles nos domarem, temos um longo caminho. Acredito que fazemos dos nossos temores nosso aprendizado quando marcamos nosso lugar na Terra pela força do nosso trabalho, pelo desprendimento, pelas renúncias que fazemos, pela formação do nosso caráter, da consciência que temos dos nossos objetivos. A reestruturação dos nossos valores e nosso crescimento espiritual vão deixando pra trás muitos “ lobos e kiwis”, para transformá-los em agentes de sabedoria. Aí temos a certeza que somos filhos da verdade.Desaparecem todas as angústias, os horizontes se ampliam...
ResponderExcluirNão há mais a presença da insegurança, do medo ...
O homem enxerga o mundo como ele é, sem fantasias, fronteiras,
nem temores...
Luz e amor,
Moema
Perfeito e perturbador. Parabéns! De todos que li aqui, de longe, esse foi o que mais me tocou.
ResponderExcluirBeijos, querido.
Rosa.
oi Marinho
ResponderExcluirseu lobo traz a historia e a sabedoria p vc viver mlhor hj....siga a orientaçao desse amigo q te escolheu e te cuida e cuide dele com carinho tbm..
gosto muito de um autor q nos ensina a entender mlhor tdo isso vivenciou mtas experiencias e escreve de maneira maravilhosa sobre tdo isso...
SURYAVAN SOLAR...
BJO Allayne
Nosssa, Mário! Lindo texto... De arrepiar! Você se doou inteiro na escrita e na ideia por trás do lobo (na verdade não é atrás do lobo... é junto com ele). Assim o coração se aquieta. Encontrar uma parceria (de alma) é entender a criação e os símbolos que a natureza cria só pra dizer que somos seres únicos, especiais, mesmo que em grupo... Ou neste caso, em alcatéia! AAAUUUUUUUUUUU!!!!!!..
ResponderExcluirCristiane Wosniak
Me veio um tanto de coisas na cabeça agora...
ResponderExcluirQuando podemos tomar (Mario cerveja) (Jair Coca Cola) juntos qualquer dia desses? Sério, preciso.
É tão confortante saber que a vida se encarrega de nos proteger e zelar de inúmeras formas e seu texto me leva a pensar em quais na minha individualidade são essas formas que hoje zelam por mim.
Onde estão? Como são? Que formas assumem para que eu, um cara totalmente visual, possa vê-las para compreendê-las melhor.
Pensando aqui, das minhas referências...
Feliz com o texto!
Aquele abraço enorme e bem forte! o/
Vendo este texto e os mandamentos que você escreveu vejo que a palavra de ordem é a “União”, para cada um, uma função, mas para todos apenas uma função, proteger o todo. Cuidando de todos e vigiando sempre, o líder sempre esta a frente, tomando para si a responsabilidade de atingir o objetivo. Por outro lado, todos nós somos os lobos de nós mesmos, buscando proteger-se e proteger aqueles que nos são caros. Já imaginou como é uma loba defendendo seus filhotes de um ataque? Não gostaria de passar por isso. Temos na Umbanda vários exemplos assim, as vezes acolhendo, as vezes rosnando para ver se aprendem e as vezes deixando que aprendam por si mesmos. Na Umbanda é assim também, uma alcateia, uma corrente, várias pessoas, várias ideias, mas apenas com um proposito, proteger o todo e alcançar o objetivo.
ResponderExcluirAxé
Mario, estou chegando agora da praia e por isso não respondi antes. Não sei bem o que te levou a escrever esse texto, mas ele está bem dentro da filosofia do Seo Tranca Ruas das Almas. Domine teus inimigos e teus medos e os ponha em teus pés que é o lugar onde devem ficar. Eles do teu lado acabam sendo teus protetores. Não sei se vc sabe mas fui criador de cães pastores alemãos. Minha ultima cadela morreu no mês passado. Nunca tinha ouvido falar nos mandamentos dos cães. Está otimo, inteligente e muito bem colocado, principalmente como ensinamento para nós. Falando em lobisomem, eu escrevi no meu livro Grifos do Passado um capitulo onde menciono a origem da lenda. Axé, Pai Fernando - Terreiro do Pai Maneco
ResponderExcluirLindo demais... em alguns momentos "me via"... Que delícia ler seus textos... parece que tô sentada na sua frente te ouvindo...
ResponderExcluirBeijo Melissa...
Parabens muito bom como sempre são seus textos e reflexões!!!!
ResponderExcluirBjsss