Textos extraídos da coluna Releitura, Jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda.
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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"O quê Oxossi?"

Coluna Releitura - Jornal Sinal de Fumaça - Edição 2

Na primeira gira do ano, especificamente na homenagem a Oxossi, em meio a folhas espalhadas pelo chão do terreiro, fui convidado a conversar com um caboclo desta linha. Ao me sentar em frente daquela entidade e ser invadido por uma alegria indescritível, começou um diálogo no mínimo curioso, pois não conseguia entender uma palavra do que este Caboclo me dizia, conseguia entender sim seu sorriso. Envergonhado, minha única reação era concordar em movimentos de ‘sim’ com a cabeça, e cada vez que me reportava com dúvida: “O que?”, ele, orgulhoso e sorridente, batia bravamente em seu peito e exclamava em alto e bom tom: “Okê”. Vencido pelo cansaço, passei a entender aquele encontro de outra forma. Acredite, diálogos não são feitos apenas de palavras, e ele sabia muito bem disso. Aquela entidade transmitia uma sensação de alegria tão intensa,  que as palavras se tornaram dispensáveis. Quantas vezes em nosso dia-a-dia insistimos em dizer aquilo que poderia se fazer entender em pequenos atos, como aquele sorriso que recebi na primeira gira do ano?  Sem a intenção de entrar nessa questão, convido você a refletir comigo sobre uma fase que é tão acentuada quando somos crianças e que pode se perder ao passar da idade com a mesma naturalidade com que chegou, a fase dos ‘porquês’.
Trabalho com crianças, fato este que me faz refém desta pergunta diariamente. Por volta dos três a quatro anos de idade, a criança desperta para a curiosidade de entender como as coisas funcionam, isto ocorre devido ao fato da construção da própria identidade, quando a criança começa a se descobrir, ter noção do seu próprio “Eu”, da importância da sua existência, das coisas que consegue fazer, que vê ou que ouve. A partir desta descoberta passa a perceber os fatos ao seu redor dando maior ênfase a como tudo acontece, ou seja, os porquês referentes a esses. Essa curiosidade, a busca da compreensão do mundo, é que a levará a fazer novas descobertas, aguçando sua percepção para o aprender.
A Teoria Geral dos Sistemas (T.G.S) originada dos trabalhos do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy se baseia na necessidade de avaliar uma organização como um todo, e não somente a partir de suas partes. Sem a visão abrangente do todo, tornamo-nos impossibilitados da verdadeira compreensão dos fatos, pois nos habituamos a concluí-los apenas pela visão das partes. Para a T.G.S, a aprendizagem se dá através de RUÍDOS (estímulos), estes geram uma instabilidade que nos tira da zona de conforto e nos obriga a novas organizações reflexivas/corporais. Sugiro a você leitor, propor ruídos a si mesmo e aos que o cercam, para buscar uma compreensão que sem dúvida apaziguara tantos porquês que cercam nosso pensar e muitas vezes não são exteriorizados, tirando cada um de nós dos comodismos diários, sem deixar de espelharmo-nos naquela criança que incessantemente busca o saber.
Após meu diálogo sensorial com o Caboclo de Oxossi e um forte abraço do mesmo seguido de um último “Okê”, fui pego de surpresa pela incorporação de Curumim,  que, curioso, arrastava-se pelo terreiro em busca de novas descobertas, ajudando este cavalo a entender que não existem perguntas erradas, nem tampouco respostas certas, o que existe é apenas o momento em que cada um vive, pois tudo que enxergo é apenas aquilo que minha visão alcança. Jean Piaget, epistemólogo suíço, considerado o maior expoente do estudo cognitivo dizia que

"O professor não ensina, mas arranja modos de a própria criança descobrir...".

Nesta gira em questão, a criança que vos escreve precisou achar seus próprios modos de descobrir. Grandes professores do Astral, deixo aqui minha gratidão para com aqueles que, incansavelmente respondem a todos os nossos “por quê?”, “o que?”, “como?” e “quando?”, nos instigando a criar nossos próprios ruídos.
Axé.

LeiA +

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Resposta de André Bragantini


Este sim é o cara que ouvi falar a manha inteira em humildade. Grande abraço André, força e sucesso.

Resposta de André Bragantini.

Mário, em primeiro lugar gostaria de pedir minhas sinceras desculpas pelo fato do quanto meu comentário lhe ofendeu, apenas quero dizer que não foi minha inteção e devo assumir que me expressei mal. Imagino tudo que você tenha passado e sei que o Brasil ainda é um país preconceituoso quanto a prática masculina do Balé. Só queo lhe dizer que admiro muito sua profissão, sou um apaixonado por danças e adoro dançar, inclusive já fui praticante de varias delas, dentre elas o Tango. Acho o balé mais que um esporte, e sim uma arte, de forma alguma quis ser preconceituoso quanto ao balé, vide minha história, se tem alguém que não tem preconceito a nada, esse alguém sou eu.
Pra você ter uma ideia do quanto gosto de dança, um dos programas favoritos, meu e da minha esposa, é o "So you think you can dance" que passa na TV a cabo, você deve conhecer este programa e nele estão todos os tipos possiveis e imagináveis de dança do mundo, inclusive o balé.
Estou realmente me sentindo mal com isso, pois meu comentário foi totalmente inocente e espontâneo, saiba que não uso esse comentário constantemente em minhas palestras, acho que o usei por ser uma palestra voltada a pessoas do esporte, apenas para exemplificar o sentido do medo, pois acredito que você nao sente medo de dançar balé, assim como devo assumir, já tive medo de praticar o automobilismo, por conta dos acidentes que já sofri. Em uma próxima pelestra tenha certeza que usarei outro exemplo, nao mais o balé.
Este seu email serviu para que eu tivesse mais um exemplo de vida, do qual vou me lembrar sempre. Não sei nem como me retratar a você, apenas gostaria de dizer, que quando você for se apresentar em algum local, por favor, me convide para assisti-lo. Vou levar minha esposa junto para assistirmos sua apresentação.
Me desculpe, novamente, gostaria que acreditasse que não tive a intenção de menosprezar sua arte. Desejo sorte em sua vida e saiba que ganhou um novo admirador. Obrigado pelo seu email.
Grande Abraço

André Bragantini

domingo, 6 de fevereiro de 2011

De um bailarino para um piloto.

Gostaria de compartilhar um fato ocorrido neste fim de semana (5 de fevereiro), em uma palestra que assisti ministrada pelo Piloto André Bragantini. O mesmo atua no Stock Car e é portador da síndrome de  Tourette* .Uma historia de vida fantástica, uma finalização de palestra desastrosa. Sei que este blog é lido pelo público umbandista e a primeira vista pode parecer incoerente com os temas que me propus escrever, mas após uma RELEITURA, verá que enquanto umbandistas podemos sofrer preconceitos corriqueiros, e como digo no final da minha carta ao palestrante em questão: A maneira que me calo sobre uma realidade que conheço, me torno omisso a ela.

De um bailarino para um piloto.
Querido Bragantini, no dia 5 de fevereiro tive a oportunidade de assistir a sua palestra, convidado pelo departamento de esportes do Clube Curitibano, representando o Departamento de Cultura, mais especificamente da Dança. Me chamo Mário, tenho 25 anos e atuo como professor e bailarino.
Comovido pela sua historia, aqui estou para dar um retorno a alguém que tanto lutou e luta para ser reconhecido enquanto profissional e pessoa, em meio a tantas dificuldades que desde pequeno, acompanham sua trajetória, porém o objetivo deste email é falar da minha. Lembro que a ultima frase da sua palestra foi:
“Se eu não quisesse correr riscos colocava uma sapatilha e dançava Balé.”
Nasci no interior do Paraná, em uma cidade chamada União da Vitória, e desde pequeno sentia minha vocação artística falar muito mais alto que qualquer coisa. Depois de me formar técnico em processamento de dados, e iniciar uma faculdade, entrei em contato com o mundo da dança. Acredite André, para mim foi um grande risco colocar uma sapatilha e dançar Balé, tanto que precisava fazer aulas escondido da minha família, se com 9 anos seu pai lhe presenteou com um kart, o meu nunca me presenteou com uma sapatilha. O balé falou tão alto que abandonei tudo, emprego, faculdade, para seguir aquilo que acreditava, e com 17 anos, rumo a Curitiba, fui me profissionalizar na dança.
Passei por inúmeras situações, desde ser atingido por tampas de garrafas a copos plásticos cheios de bebida, por pessoas que devido à grande casca preconceituosa pelo qual eram envoltas, não conseguiam ver aquilo como um trabalho, assim como o seu, assim como o de um advogado, ou de uma diarista, como você mesmo disse em sua palestra.
Portanto, colocar uma sapatilha, é apenas um fragmento de uma realidade muito maior. Hoje além de trabalhar como docente, danço em uma Cia. Masculina de Balé, composta por 28 bailarinos que sem dúvida passaram por historia de aceitação bem piores que a minha. Nunca me esqueço do Fábio, um rapaz de Aracaju, colega de trabalho que saiu de casa acreditando no seu sonho da dança, a dois anos sem falar com sua família, hoje se sente intimidado ao ligar pra casa, pois a primeira pergunta que seu pai faz é se ele conseguiu algum dinheiro para lhes mandar, esquecendo de perguntas básicas como “você está bem?”, pois pra esse pai, não fazia a menor diferença.
Trabalhar com homens na dança, no país do futebol é um grande desafio. Já perdemos muitos para as drogas, outros tantos para o desemprego, e outros simplesmente para má aceitação social, que vincula a arte ao homossexualismo. Talvez se estivéssemos no Rússia, nem eu estaria escrevendo este email, nem você teria dito o que disse, pois lá, berço do Balé Clássico, um pai sorri orgulhoso por ver seu filho integrar na Cia de Balé do Bolshoi, reconhecendo o grande desafio que é tal ramo da arte.
Acredito que o que disse foi espontâneo, mas eu não poderia deixar passar em branco por se tratar de um homem tão querido e batalhador, formador de opinião na maneira que ministra palestras para centenas de pessoas.
Antes de finalizar com um ‘Parabéns’ sincero à forma que venceu e vence suas dificuldades, gostaria de apresentar algumas realidades e espero que estas o toque assim como sua história de vida e sua realidade me tocou. Mando sites de pessoas que escolheram a dança como mecanismo de transformação social, acredite, um grande desafio.
Associação de Balé e Artes Para Cegos
http://www.ciafernandabianchini.org.br
Homem, Ballet e Preconceito
Alunas surdas aprendem Ballet
http://noouvidodegabi.blogspot.com/2010/02/alunas-surdas-aprendem-dancar-pelas.html
Cia Dança Masculina Jair Moraes – Cia. Em que atuo.
Termino com um grande abraço carinhoso de alguém que o admira muito, porém a maneira que me calo sobre uma realidade que conheço, me torno omisso a ela.
Muito sucesso e força.
Mário Patruni

*A síndrome de Tourette ou síndrome de la Tourette,] também referida como SGT ou ST, é uma desordem neurológica ou neuroquímica caracterizada por tiques, reações rápidas, movimentos repentinos (espasmos) ou vocalizações que ocorrem repetidamente da mesma maneira. Esses tiques motores e vocais mudam constantemente de intensidade e não existem duas pessoas no mundo que apresentem os mesmos sintomas. A maioria das pessoas afectadas são do sexo masculino.
A doença foi descrita pela primeira vez em 1825, pelo médico francês Jean Itard. Mais tarde, em 1885, Gilles de la Tourette publicou um relato de nove casos da doença, que denominou maladie des tics convulsifs avec coprolalie ("doença dos tiques convulsivos com coprolalia"). Posteriormente a doença foi renomeada "doença de Gilles de la Tourette", por Charcot, o influente diretor da Salpêtrière.

O que você quer que fique ?

Coluna Releitura – Diferentes formas de olhar para mesma coisa.
Por Mário Patruni
Edição 1
O tempo todo estamos iniciando e concluindo ciclos, seja no âmbito profissional ou pessoal, com a religião não seria diferente. Mais um ano terminou e mais uma vez o mar me chamou para mais perto dele. Nesta virada de ano, assisti a queima de fogos nas areis da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, caminhando por elas observava a quantidade de devotos da nossa Mãe Iemanjá. A cada passo ia de encontro a oferendas e mais oferendas, todas feitas com muito carinho por aqueles que, como forma de agradecimento, deixavam muito mais que algumas velas e flores, deixavam junto seu coração para aquela energia que acolhia a todos, em um lugar onde o espaço de areia ficou pequeno em meio a tantas homenagens. Por vezes iniciamos coisas da qual não conseguimos concluir, por vezes concluímos com êxito, em outras nem tanto. Reencarnação é isso! Você tem idéia de quantas vezes já pisou por essas bandas, o plano material? Nem eu! O fato é que ser umbandista é dar de frente com ciclos iniciados e concluídos o tempo todo. Tente lembrar quantos pontos cantados iniciam e terminam a cada gira, quantos passes são dados, quantas consultas e problemas são resolvidos e quantos outros ainda irão surgir!  Quantas velas você acendeu, no início tendo seu auge e minutos depois seu fim? Nem cera, nem chama. Mas se tudo começa e termina, se inicia e se conclui, o que fica disso tudo?

Fica o que você quiser que fique !

Ficam as conseqüências ! e não entenda essa palavra como algo negativo, que por si só tem uma conotação pesada. Abra o dicionário que tiver em mãos, verá que o significado de conseqüência é: conclusão, continuação que uma coisa pode ter, efeito, continuação. Uma palavra que sem duvida nos remete a movimento, ir e vir, como as ondas da praia da Barra, onde eu conclui mais um ciclo, na minha virada de ano. Sim, vai ficar exatamente o que você quiser que fique disso tudo, pois só você pode reconhecer o quanto de energia depositou nas suas ações, iniciadas e concluídas, só você pode afirmar se concluiu tudo que tinha para ser concluído, com êxito, ou se ao menos esta se dedicando de fato. Às vezes nosso melhor ainda não é o bastante, mas acredite e confie nas conseqüências, no movimento, no ir e vir, no inicio e no fim de cada coisa! Tenho 25 anos, sou umbandista a apenas 2, cada trabalho é uma surpresa, cada surpresa trás um turbilhão de informações para refletirmos, pois, se me falta vivência na estrada da umbanda, me sobra vontade de caminhá-la.
Convido você a caminhar também nesse novo ciclo que esta iniciando, o jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda, e neste espaço que chamo de Releitura, a minha palavra pra 2011, novas formas de olhar para a mesma coisa! Concluo esse ciclo, ou melhor, esse texto, com uma frase de Erasmo Shallkytton, poeta maranhense, que em poucas palavras nos fala de nossos desejos, conseqüência de uma energia tão boa que é a conclusão de mais um ano:

“No ano novo, tudo pode se transformar, os desejos são as mais belas obras desse evento anual.”

E para você leitor, que fique desse texto o que tiver que ficar, espero que o bastante para fazer alguma diferença. Muito axé e movimento nas nossas vidas em 2011.  

* foto de oferenda tirada na praia da Barra da Tijuca - Rio de Janeiro