Textos extraídos da coluna Releitura, Jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda.
Procure o seu nas casas de vendas de artigos umbandistas.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

De um bailarino para um piloto.

Gostaria de compartilhar um fato ocorrido neste fim de semana (5 de fevereiro), em uma palestra que assisti ministrada pelo Piloto André Bragantini. O mesmo atua no Stock Car e é portador da síndrome de  Tourette* .Uma historia de vida fantástica, uma finalização de palestra desastrosa. Sei que este blog é lido pelo público umbandista e a primeira vista pode parecer incoerente com os temas que me propus escrever, mas após uma RELEITURA, verá que enquanto umbandistas podemos sofrer preconceitos corriqueiros, e como digo no final da minha carta ao palestrante em questão: A maneira que me calo sobre uma realidade que conheço, me torno omisso a ela.

De um bailarino para um piloto.
Querido Bragantini, no dia 5 de fevereiro tive a oportunidade de assistir a sua palestra, convidado pelo departamento de esportes do Clube Curitibano, representando o Departamento de Cultura, mais especificamente da Dança. Me chamo Mário, tenho 25 anos e atuo como professor e bailarino.
Comovido pela sua historia, aqui estou para dar um retorno a alguém que tanto lutou e luta para ser reconhecido enquanto profissional e pessoa, em meio a tantas dificuldades que desde pequeno, acompanham sua trajetória, porém o objetivo deste email é falar da minha. Lembro que a ultima frase da sua palestra foi:
“Se eu não quisesse correr riscos colocava uma sapatilha e dançava Balé.”
Nasci no interior do Paraná, em uma cidade chamada União da Vitória, e desde pequeno sentia minha vocação artística falar muito mais alto que qualquer coisa. Depois de me formar técnico em processamento de dados, e iniciar uma faculdade, entrei em contato com o mundo da dança. Acredite André, para mim foi um grande risco colocar uma sapatilha e dançar Balé, tanto que precisava fazer aulas escondido da minha família, se com 9 anos seu pai lhe presenteou com um kart, o meu nunca me presenteou com uma sapatilha. O balé falou tão alto que abandonei tudo, emprego, faculdade, para seguir aquilo que acreditava, e com 17 anos, rumo a Curitiba, fui me profissionalizar na dança.
Passei por inúmeras situações, desde ser atingido por tampas de garrafas a copos plásticos cheios de bebida, por pessoas que devido à grande casca preconceituosa pelo qual eram envoltas, não conseguiam ver aquilo como um trabalho, assim como o seu, assim como o de um advogado, ou de uma diarista, como você mesmo disse em sua palestra.
Portanto, colocar uma sapatilha, é apenas um fragmento de uma realidade muito maior. Hoje além de trabalhar como docente, danço em uma Cia. Masculina de Balé, composta por 28 bailarinos que sem dúvida passaram por historia de aceitação bem piores que a minha. Nunca me esqueço do Fábio, um rapaz de Aracaju, colega de trabalho que saiu de casa acreditando no seu sonho da dança, a dois anos sem falar com sua família, hoje se sente intimidado ao ligar pra casa, pois a primeira pergunta que seu pai faz é se ele conseguiu algum dinheiro para lhes mandar, esquecendo de perguntas básicas como “você está bem?”, pois pra esse pai, não fazia a menor diferença.
Trabalhar com homens na dança, no país do futebol é um grande desafio. Já perdemos muitos para as drogas, outros tantos para o desemprego, e outros simplesmente para má aceitação social, que vincula a arte ao homossexualismo. Talvez se estivéssemos no Rússia, nem eu estaria escrevendo este email, nem você teria dito o que disse, pois lá, berço do Balé Clássico, um pai sorri orgulhoso por ver seu filho integrar na Cia de Balé do Bolshoi, reconhecendo o grande desafio que é tal ramo da arte.
Acredito que o que disse foi espontâneo, mas eu não poderia deixar passar em branco por se tratar de um homem tão querido e batalhador, formador de opinião na maneira que ministra palestras para centenas de pessoas.
Antes de finalizar com um ‘Parabéns’ sincero à forma que venceu e vence suas dificuldades, gostaria de apresentar algumas realidades e espero que estas o toque assim como sua história de vida e sua realidade me tocou. Mando sites de pessoas que escolheram a dança como mecanismo de transformação social, acredite, um grande desafio.
Associação de Balé e Artes Para Cegos
http://www.ciafernandabianchini.org.br
Homem, Ballet e Preconceito
Alunas surdas aprendem Ballet
http://noouvidodegabi.blogspot.com/2010/02/alunas-surdas-aprendem-dancar-pelas.html
Cia Dança Masculina Jair Moraes – Cia. Em que atuo.
Termino com um grande abraço carinhoso de alguém que o admira muito, porém a maneira que me calo sobre uma realidade que conheço, me torno omisso a ela.
Muito sucesso e força.
Mário Patruni

*A síndrome de Tourette ou síndrome de la Tourette,] também referida como SGT ou ST, é uma desordem neurológica ou neuroquímica caracterizada por tiques, reações rápidas, movimentos repentinos (espasmos) ou vocalizações que ocorrem repetidamente da mesma maneira. Esses tiques motores e vocais mudam constantemente de intensidade e não existem duas pessoas no mundo que apresentem os mesmos sintomas. A maioria das pessoas afectadas são do sexo masculino.
A doença foi descrita pela primeira vez em 1825, pelo médico francês Jean Itard. Mais tarde, em 1885, Gilles de la Tourette publicou um relato de nove casos da doença, que denominou maladie des tics convulsifs avec coprolalie ("doença dos tiques convulsivos com coprolalia"). Posteriormente a doença foi renomeada "doença de Gilles de la Tourette", por Charcot, o influente diretor da Salpêtrière.

4 comentários:

  1. Tiro o chapéu para essa postagem Mario.
    Escolher a Dança como uma opção de carreira é um grande desafio, é matar um leão por dia. É uma rotina que não dá trégua.
    Se colocar sapatilhas nos pés fosse sinônimo de "vida sem riscos" tendo o termo "riscos" a expressão de comodidade e falta de busca já teríamos abandonado o barco. Mas não! Temos sido desafiados como pessoas, como homens e profissionais.
    Desafios geram crescimentos e sem dúvidas temos visto isso e a exemplo você mesmo já postou algumas referências e que bom que mudanças com muitos riscos tem acontecido na vida de milhares de pessoas, de artista.

    Abraço,

    Jair Gabardo.

    ResponderExcluir
  2. É uma triste realidade Marinho, mas nosso povo trata a cultura como supérfluo; porém mais triste ainda é ver uma pessoa que leva sua história de vida para platéias para incentivar a combatividade e no fim consegue se tornar tão pequeno pelo preconceito ou desinformação. Ballet é arte, é cultura! O que seria da história do mundo sem a arte? Que referência teríamos? Parabéns mais uma vez pela assertividade, meu amigo! Continue "en dehors"!Moema

    ResponderExcluir
  3. É isso ai Marinho... realmente uma pena ver pessoas que tem condições e acesso a cultura e a banalizam dessa forma. Parabéns.

    ResponderExcluir
  4. marinho; viver é correr riscos. a nossa vida é um eterno desafio onde temos que nos defrontar diariamente contra preconceitos de uma sociedade hipocrita, onde somos julgados pelo "ter" e nao pelo "ser". Siga em frente em busca de seus sonhos e de tudo o voce acredita. Afinal, ja nos ensinava o poeta: a vida é uma luta que os fraco abate. e este nao é o teu caso. um grande abraço de teu pai, da tua mae e da tua irma.

    ResponderExcluir