Textos extraídos da coluna Releitura, Jornal Sinal de Fumaça do Terreiro de Umbanda Tribo de Aruanda.
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domingo, 25 de setembro de 2011

ASSINADO: MARINHO PATRUNI


Sem pé nem cabeça! Assim defino meu setembro! No mês da independência, não consegui a minha. Eu sei, ser ou estar dependente de algo é um estado de espírito. Quando criança dependia dos meus pais para determinadas coisas, hoje continuo dependendo para muitas outras. Dependemos de perguntas e respostas, ações e reações. O depender de algo esta além de mim, tirando-me do controle da situação. O depender de algo esta além de você, tirando-lhe a segurança de fazer do seu jeito. Para iniciar o mês com segurança, procurei uma famosa cartomante da cidade, afinal, quem não gosta de saber para prevenir? Pobre cartomante, não deu uma dentro. Pobre de mim, não dei uma dentro.
            Apenas sem pés, a cabeça esta começando a se encontrar! Depender, ou, estar sujeito ou subordinado a, é algo no mínimo tortuoso. Por outro lado, ao depender de você,retiro a responsabilidade de algo dar certo de mim, isentando-me dela.
Será a dependência algo saudável? Química eu sei que não, psicológica menos ainda! Então porque insistimos tanto em depender de alguém ou de algo?
Seja no campo amoroso, profissional, pessoal, sexual e nos demais ‘al´s’ que cercam nosso estado de encarnado de ser e enlouquecer, o depender do outro vai muito além de um argumento que consola meu fracasso ou compartilha meu sucesso.  Situa-se entre algo que me diz que sozinho eu não consigo. Exato, de vilão para mocinho, o depender atua como eu quiser ou bem entender. Bem, entender? depende... As coisas não são sempre tão claras.
Donaaaa Mariaaaa ! Donaaaaa Mariaaaaa !
Este chamado fez parte da minha infância. Em frente à casa da minha avó reside Dona Maria, uma senhora que sem dúvida foi responsável pela minha criação, pois beirando os 5 anos de idade até os 11 anos, lá estava eu, atravessando a rua e gritando por seu nome no portão. Além das divertidas tardes em companhia de Dona Maria jogando dominó, indo até o galinheiro para ver se a galinha tinha botado ou esperando ansioso pela fantasia de índio que Dona Maria fazia pra mim em sua velha máquina de costura todo carnaval, éramos verdadeiros amigos de idades distintas, mas, compatíveis na cumplicidade. Atualmente, toda vez que visitava parentes na minha cidade natal, ouvia dizer que Dona Maria sempre perguntava pelo Marinho e recordava fatos passados como a vez em que ela me ajudou a fantasiar-me de menino de rua, para sentado em frente a sua casa, pedir dinheiro às pessoas que passavam. Coisas de criança!
Este final de semana fui pego de surpresa por uma dor de dente que me levou até União da Vitória. Resolvido o problema, decidi: Vou fazer uma visita!
 Donaaaa Mariaaaa ! Donaaaaa Mariaaaaa !
Lá estava eu, gritando em seu portão, quase 15 anos depois do nosso último encontro. Uma senhora abre a porta, beirando seus 86 anos de idade:
- Pois não?
- Como ‘pois não?’ Esqueceu de mim?
Depois de alguns minutos, Dona Maria ficou tão emocionada ao me reconhecer que não cabia em si de tanta alegria. Passamos a manhã tomando café e conversando sobre os rumos que minha vida tinha tomado. Ao olhar a casa que emoldurou minha infância, intacta como se o tempo não tivesse passado, me dei conta do quanto dependíamos daquele encontro, como se fosse para concluir algo. Na despedida, recebi uma cartinha que fiz pra ela em seu aniversario quando tinha 6 anos de idade com os seguintes dizeres:
Dona Maria, faço este desenho como presente de aniversário, porque com essa idade ainda não tenho dinheiro!
Hoje, tendo algum dinheiro, sem dúvida optaria em presentear lhe com outra cartinha. Ao ir embora, olhei bem pra ela e depois de um abraço apertado, continuei meu caminho, sabendo que dificilmente veria Dona Maria novamente.
Alguns acontecimentos dependem de outros para deixar nosso entendimento acerca de determinados fatos um pouco mais claros. Não acredito que esta dor de dente me levou até União da Vitória a toa.
Dependendo de um espaço para girar, nossa família da Tribo de Aruanda fez Umbanda em um belo trabalho de Mata ! Mata mosquito, mata saudades! Conversar com algumas entidades e incorporar outras deu sentido a palavra ‘dependência’ na sua forma mais pura, pois além de manter o grupo unido, obtivemos juntos a oportunidade de relembrar momentos que fizeram da Tribo, o que ela é hoje. Nem todos estavam presentes, mas estavam no coração. Nem todos veremos novamente, mas fizeram sua história, como a Dona Maria.  
Ao sentir minha angustia pai Joaquim apenas falou: Mantenha a calma filho! Preste atenção nos sinais e espere a melhor oportunidade!
De tão simples suas palavras me irritaram, queria ouvir mais, e ele sabia disso. Nunca fui muito bom em interpretar sinais, mas dentro do obvio cheguei a algumas conclusões sim:
Se meus pés incharam me impedindo de caminhar por quase uma semana, talvez o melhor seja não querer usá-los para atropelar o tempo. Meus pés representam meus passos, dependo deles para caminhar. Se ainda não existem caminhos concretos, uso de Ferreira Gullar para traduzir o melhor por hora.
“Caminhos não há, mas os pés na grama o inventarão”

Se fiquei com dor de dente me impedindo de mastigar, talvez devesse saborear mais calmamente cada refeição. Minha boca representa meu sorriso, dependo dele para levar a vida com alegria. Se nem todos aceitam meu sorriso, uso de Madre Tereza de Calcutá para traduzir o melhor para sempre.
“A paz começa com um sorriso.”

Não tinha idéia do quanto minha cartinha para Dona Maria, entregue a mais de 15 anos atrás, faria tanta diferença em nossas vidas. Convencido deste fato, hoje quero escrever uma cartinha para Deus. Quem sabe daqui 15 ou 30 anos, ele me faça lembrar dela e perceber que a co-dependência é algo tão natural quanto sorrir ou caminhar.
“Querido Deus, não sou muito bom com as palavras, principalmente quando se trata de escrever algo a alguém tão importante como o Senhor. A vida vista ai de cima deve ter mais sentido do que vivida aqui em baixo. Mundinho louco este que o Senhor resolveu criar hein! Em todo caso, saiba que a cada dia que acordo, procuro interpretar Seus sinais, e quando não consigo, peço de coração que me ajude a ter mais paciência. Agradeço a cada momento de alegria que pude vivenciar até agora, os de tristeza também, por mais que não entenda direito na hora. Faça-me corajoso o suficiente para deixar para trás tudo que me conforta e partir em uma viagem em busca da verdade, pois estou disposto a encarar tudo que me acontecer como um ensinamento e, cada pessoa que cruzar meu caminho como um mestre com algo a me ensinar. Obrigado de coração pelos mestres que já colocou em meu caminho, cuide bem deles e, por favor,  sem sinais muito complicados. Peço que me seja dada todas as oportunidades possíveis e que eu seja esperto o bastante para aproveitá-las. Se elas não estiverem tão claras, que eu dependa de qualquer dor de dente para entende-las melhor. Vou sempre confiar no Senhor por mais que muitas vezes não O entenda. Por favor, Deus, tenha paciência comigo... Eu dependo do Senhor”  
Assinado: Marinho Patruni