Prepare-se, vou falar coisas duras.
Sábado marcado por uma bronca após outra. Eu especificamente recebi uma dose dupla e sem gelo por favor. Seu Juvenal não estava para brincadeira e nesta noite enluarada não lembrei mais dele com seu lenço gaúcho, mas sim, calça moletom e boné vermelho. Em casa pensei, repensei, trepensei em tudo que foi dito. Essa doeu viu...
A ‘Pedagogia da Impregnação’ citada por Jean Pierre P. em seu livro A Educação Pós Moderna, afirma que “desde o nascimento, vivemos imersos na pedagogia que se impregna no mais profundo de nós e cria nossos valores, normas e referencias educativos... é a realização de um ‘hábitus’, isto é, de um conjunto de código adquiridos de maneira precoce, que o indivíduo põe em prática na diversidade das circunstancias. Este conjunto gera condutas objetivamente regradas e regulares que não são, por isso, o produto de obediência as regras, mas disposições a agir em determinado sentido.”
Esta citação nos leva a crer que temos visões de mundo completamente diferentes um do outro, levando em consideração que nossos atos provêm de características culturais de um grupo. Sendo diferentes, o que a Pedagogia da Impregnação afirma é que vamos reproduzir nossos atos enraizados no inconsciente em nossas ações diárias. Aonde quero chegar? Justamente no que Jean Pierre propõe afirmando que devemos nos disponibilizar a aprendizagem a partir da troca, a se relacionar com o outro, consigo mesmo e com a capacidade de reinterpretar suas práticas, hábitos tomando consciência de si mesmo.
Sinto uma grande dificuldade de me relacionar a partir da troca, geralmente acabo me doando mais do que recebendo. Finalmente ouvi isso de uma entidade que assim me disse em alto e bom tom. Esta foi minha primeira dose da noite. “ Você esta carregando o mundo nas costas e não coloca isso pra fora. Não se sente bem pra falar sobre você com alguém específico? Converse com uma árvore, um peixe ou uma flor...”
Cheguei em casa, não havia árvores nem tampouco peixes. A única coisa que vi foi um kiwi, abandonado na fruteira. É você mesmo pensei, afinal, você vem da natureza... Quase fiz um rostinho para parecer mais amigável, seu formato não me trazia lindas recordações e depois de ouvir tudo que o kiwi tinha para dizer, afinal, como um típico filho de iemanjá me coloquei todo a ouvidos. Comecei a contá-lo minha história. Pobre kiwi, mal sabia a longa noite que o esperava...
O Boiadeiro Juvenal desceu com um boné vermelho. Não tive o prazer de experimentar sozinho a segunda dose da noite, sem gelo. Todos sentiram o gostinho. Nunca tinha visto esta entidade se apresentar de forma tão ríspida, indignado pela falta de união da corrente, alertou-nos para que todos refletissem sobre seus atos e de que forma nossos atos individuais influenciavam nossa convivência em grupo. Pedagogia da impregnação pura. Difícil é saber qual o verdadeiro conceito de certo e errado, pois um dia Exú dos Rios me disse que as coisas que eu penso que estou fazendo certo, podem ser erradas. Já as que acho que estou errando, posso estar fazendo de forma correta!
Confuso? Bastante ... As coisas começaram a se aquietar em minha cabeça quando lembrei de uma visita feita pela amiga Renata semana passada. Jogo do Coxa na TV, ela chega, senta e de forma quase ‘histérica’ começa a interagir com seu foco de atenção, a televisão. Como não morro de amores pelo esporte, meu vinho barato me aquietou, enquanto aos berros, Renata vivia cada momento do jogo na minha sala. Qualquer um se sentiria intimidado com jeito que falava aos jogadores da equipe que torcia. O que a movia a agir desta forma? Sem dúvida o amor pelo time.
Bernardinho, famoso técnico de vôlei, é conhecido por seus berros em quadra e sem dúvida pela competência única de guiar ao sucesso aqueles que estão a sua volta. Em seu livro ‘Transformando suor em ouro’ li uma frase que nunca esqueci: A disposição de uma equipe, o entendimento e a colaboração entre os jogadores na quadra podem ser mais decisivos que o brilho individual.
É querido kiwi! Tapa de amor às vezes dói sim.
A Pedagogia da Impregnação além de nos dizer que somos um caboclo de cada oca, diz também para que aceitemos nos ver com nossos erros e acertos, só assim poderemos refletir sobre nossa forma de agir para então ser constantemente redefinida e reconstruída. Com o olhar do outro, a escuta do outro e a troca com o outro é que faremos, dentro destas relações, as relações de nossos atos. Não sei se a dose bem servida de ‘sacode’ do Boiadeiro Juvenal foi para uma estrela específica que insistiu em brilhar mais que as outras ou para muitas estrelas que esqueceram que não são as únicas do universo. Via das duvidas, limitei-me a perceber se meu brilho não estava ofuscando o seu.
Mas o que então pode ser definido como atitude certa ou errada? Não tenho esta resposta, para uns esta ligada a um conceito de justiça conjunto, para outros, um conceito de justiça individual. Pensei, pensei, mas como diz o jornalista Caio Fernando Abreu: ‘O negócio é só sentir meu irmão, só sentir. Pensar já era. Pensar acabou, não se usa mais...”. Sinta seu bom senso, quem sabe ele o ajude a não ofuscar os outros com seu brilho individual. Ainda uso mais o pensar que o sentir, penso nos meus sentimentos, mas não ajo tanto sentindo caro kiwi.
Estamos caminhando de olhos vendados, alguns em rumos diferentes, outros no mesmo rumo. Não viemos do mesmo lugar, não temos a definição correta do certo ou errado, usamos sim o bom senso. Líder é alguém que, mesmo de forma ríspida quer que você continue caminhando. Ele sabe até onde você pode ir, nós às vezes esquecemos. Confie mais, ouça mais. O cara às vezes pode usar um lenço gaúcho, um chapéu de palha, uma bengala ou cocar. Se ele esta irritado por algum motivo, tenha certeza que alguma engrenagem neste motor não está funcionando muito bem. Se o ‘ sacode’ te incomodou tanto, repense. Um ponto de vista é apenas a vista de um determinado ponto, sendo assim, tenha certeza que lá de cima se vê muito mais. Estamos de olhos vendados, ouvindo chamadas de atenção daqueles que nos amam. Segue e confia ...
Aaahh, quase esqueci. Quer ver o boiadeiro Juvenal de boné vermelho e calça de moletom? Assista ao vídeo aí em baixo.
É kiwi, você tinha razão. Agora vamos dormir!